Qual comida é melhor que a das nossas avós? “Poucas”, ou “nenhuma”, deve ser a resposta da maioria. Para começar, avós são nossos pais que não dão castigo, que têm um colo sempre pronto, que nos entendem como se fossem anjos. Talvez por isso, tive uma vó com nome de Santa e outra de nome Angelina. Em ditado nem tão popular, diz-se que quando nos tornamos avós aprendemos realmente a ser pais. Também anjos, acrescento. Certamente tinham conexões com o outro plano espiritual. Se é que não eram eles próprios a nos zelar, seus inúmeros netos.
Só que avós, em ciclo natural, deixam sem colo em algum momento as nossas vidas. Como herança mais significativa, ficam todas as bênçãos que puderam nos ofertar. Inclusive suas comidinhas tão carinhosas que foram dadas como “aviãozinho”, direto na boquinha, ou suculentos manjares muitas vezes na continuidade em receitas oriundas de seus próprios avós. Provavelmente estes, da mesma turma de anjos que nos protegem através de séculos. Após a dor da perda, só nos resta o louvor a sua memória e tentar reeditar suas comidinhas de alguma forma, já que receitas de avós reinam escondidas em poder delas mesmas, suas mãos envelhecidas, mas sábias, com sorriso e avental de Dona Benta.
Os netos Tielo, Bola e Marlon, mais a neta Sisti, resolveram mudar a escrita. Marlon ligou para os outros três:
“Manos, reunião lá em casa domingo. Tragam os filhos e vamos tentar reeditar um almoço com as receitas da Vó Santina e Angelina!!”.
“Provavelmente não vai sair nem parecido”, disse Tielo.
“Áááái, acho que vou chorar de lembrança”, disse a sensível Sisti.
“DÚ CACETE”, disse o sempre esfomeado Bola, o Gira-Bola!
Levaram os filhos, na verdade bisnetos de anjo, para testemunharem a gincana pretendida. Chegando o domingão, todos se reuniram, levando muitos ingredientes no encontro avô-gastronômico. Na hora H, por incrível que pareça, quem deu a primeira sugestão foi um bisneto. Liu, 7 anos, filho de Sisti, pediu de cara para não ter “arroz ao grego”, porque ele vinha “todo sujo de um monte de coisas”. Depois solicitou: “por que vocês não fazem aquela Massa com Fundo, que sempre ouvi falar?” Risadas gerais. “Filho”, falou Sisti, “não é massa com fundo, e sim Massa com Funcho!” Massa com Funcho era uma receita muito especial e quase secreta da família, já que nenhum restaurante servia este prato. Na verdade, era uma receita de “Anjo para Anjo”, hoje sabemos.
Liu tinha chegado atrasado com sua avó, Elvisla, a mãe dos quatro chefs. Como vó, Elvisla também foi promovida à condição de Anjo. Estava emocionada pela iniciativa de seus filhos, nos preparos das receitas de outro mundo. Bola, Gira-Bola, habilitou-se a fazê-la, já que havia ajudado vó Angelina algumas vezes na cozinha, botando a mão na massa… com funcho. “Não posso esquecer: o alho fritar no azeite de oliva, molho ao sugo, sardinhas temperadas, e refogadas no alho e óleo, a massa fervida na água que temperou o funcho, e que seria montada em camadas. Pedaços de queijo, devem estar no miolo das camadas, completando com pão dormido ralado por cima, para depois levar ao forno”. “Hurraaaa”, todos gritaram, “o Gira-Bola se lembra de tudooooooooo!”
Sisti, a sensível, pediu: “Gira, não dá pra retirar da receita os pedaços de queijo no miolo? Estou de regime!”
Marlon, o espirituoso, rebateu: “Também estou de regime e temos que cortar algo mesmo. Já sei, CORTAMOS ENTÃO A SALADA!” Muitos risos, com aprovação geral de netos e bisnetos. Afinal, mexer em uma receita de avós anjos, que aprenderam a ser pais, poderia ser um sacrilégio imperdoável.
Tielo também se empolgou: “Vou fazer as batatas fritas em gomos que vó Santinha fazia, com casca e tudo para não perder os nutrientes! Os gomos devem ser finos para que a fritura do ponto certo não queime a casca da batata”, lembrou! Marlon emendou: “Grande Tielo, tem batatas orgânicas em casa, pode fritar com casca numa boa!” Aprovação e água na boca de todos os presentes!
A massa com funcho e batatas fritas com casca, sem a salada, eliminada pelo regime, foram cozidas com a bênção dos anjos e degustação de netos e bisnetos, no domingão do louvor gastronômico! Elvisla, mãe exigente, aprovou com repetição do prato. Marlon, anfitrião e resmungão contumaz, nem chiou. Delícia, deleite e receitas garantidas para mais algumas gerações de netos, bisnetos e futuros Avós-Pais-Anjos!!!
Então, decobrimos o sexo dos Anjos: AVÓS!
E você, caro leitor, tem alguma receita de Avós-Pais e anjos para compartilhar?
@dt
-Por Marcos M. Daudt
Obrigado Rita por acolher minha crônica em seu site . Esta é uma das crônicas que constam do boneco de meu livro “PR1ME1RO” , mas acho que ela foi escrita para debutar no Socorro Vovó !! Parabéns por este espaço tão bem cuidado , que só poderia ser pelas mãos de uma querida Vovó !!
lindo e emocionante o texto!
não tive como não lembrar dos pãezinhos no cafe da manha, com manteiga e mel que a minha Coquinha fazia… cortados em pequenos pedaços sem casca, pois sabia que a casca era o que eu menos gostava. “Só miolo””” e a abóbora caramelada? a ambrosia e o doce de figo? e os bifes….ah…..
os bifes nunca comi nada igual! que saudades da Minha querida avó, minha Lóquinha, Cóquinha, Maroquinha, tanto faz
Adorei a comparação de anjos…
viraram agora ou sempre foram????
Ganhei uma avó e um avô adotivos. A afinidade com eles era tão forte que foi difícil no colegio entender que eram 4 avós e não 6 como eu tinha…. Dela herdei o amor as orquideas, o cuidado com as plantas e animais.
Tenho lembranças otimas de todos meus 6 avós, histórias tristes ou engraçadas não importam são todas importantes.
Se ser avó é ser mãe com açucar, ter avó é ter o céu adoçado….
Tomara que todas as crianças possam ter avós !!!!
Parabéns @dt pelo belo texto, proporcionando uma bela viagem ao passado.
Essa crônica é bem tocante e realista, principalmente para quem conheceu essas vovós (e também os demais “personagens”…).
Parabéns Marcos.
Publica logo esse livro, cara!
Muito Bom filho Marcos! Um estória histórica, recordando muitas reuniões de família, em geral com uma boa comida italiana , com muito queijo como gostas, brincadeiras e trocadilhos. Almoço em família com avós , pais , filhos e netos sempre é uma festa .Bj da tua Mãe.
Presado Marcos!
Só Anjos poderiam ser a inspiração de um texto belíssimo como este!
Parabéns!!
De um dos meus dois anjos,não lembro das comidas,porém lembro dos seus cabelos branquinhos,finos e longos que eram penteados em forma de tranças em torno da cabeça…
Era um anjo em pessoa…macia,cheirosa,delicada e voz macia…sempre com um caramelo de açúcar mascavo no bolso do avental,branquinho e com muitas rendinhas e bordadinhos na frente!!! Ah! como era linda este meu anjo!!
O meu outro anjo era forte,corajosa,linda,chique,dona de vestidos de seda “estrangeira”,presilhas de ouro com pedras de Rubí,para prender o “coque” dos cabelos tbém longos,servia seus convidados em porcelana inglesa,não podíamos conversar à mesa, seu olhar era profundo…mem piscávamos!!! Porém, após o jantar, a dama virava Gata Borralheira e todos corriam recolher a mesa,lavar louça para depois ir dormir todos em um só quarto, onde nosso Anjo contava estórias lindas até altas horas!!! Na manhã seguinte,o Vovô dormindo no chão e nós, os felizardos netos, todos amontoados na cama da nossa querida vovó!!
Hoje, procuro ser o Anjo dos meus netinhos! Procuro fazê-los felizes,como eu fui com meus dois anjos!!!
Obrigada @dt,seu anjo fez com que viesse à tona essas boas lembranças em mim.
Um abraço da Vó Lú
Que bacana Vó Lu, a força das palavras e a nossa mente podem nos transportar pelo tempo e reviver sensações mágicas e de muito sentimento. Fico feliz , nesta incursão literária que fiz, de receber este seu retorno igualmente importante, pois muitas vezes pensamos em fazer algo e não o concretizamos, fazendo muita diferença ter atitude. Mais ainda por saber deste seus dois anjos e as estórias com o Vovô no chão rsrsrss. Minha filha já tem 30 anos e só não sou avô ainda porque o destino não quis. Quem sabe eu não seja mais um a dormir no chão proximamente ?? Beijão
Presado Marcos,”futuro” vovô!!
Tenho 7 netos e o vovô aqui de casa já sabe o seu “destino” qdo os netos estão aqui….ou dorme em outro quarto,ou amanhece no chão!!!!
E sabes de uma coisa? apesar de todas as tecnologias e esses joguinhos da era dos NET,eles adoram ouvir estórias e às vezes histórias que aconteceram comigo,como por ex. na casa de minhas vovós,.das brincadeiras que eu e minhas primas fazíamos,dos “cozinhadinhos” feitos em latas de óleo de cozinha,com fogo feito no meio de dois tijolos!! Tudo é muito mágico e emocionante na cama King (ainda pequena) da vó Lú !! Conforme a estória, criamos um “clima” de suspense, apagamos as luzes,arregalamos os olhos, falamos com voz aterrorizante, e em nossa imaginação as bruxas e os saci(s) rondam a casa….as vezes o clima é de festa , com direito a guerra de travesseiro e muuuuuito mais!!!
Sabendo de toda esta festa, que acontece na cama da vó Lú, o vovô prefere ir dormir no quarto mais distante possível !!
Amigo Marcos…vá se preparando….e bom sono no chão!!!
Um gde abraço!!
Certamente Vó Lu, “tudo é muito mágico” somente porque sabes encantá-los e transportá-los para este mundo distante e encantador . Minha Mãe, Evelise Muccillo Daudt, concedeu entrevista neste site e fez depoimento semelhante. Que bom que as crianças se interessam por coisas que não contenham tanta tecnologia. Ainda há esperança , e nela está o “trabalho” dos Anjos e Avós nesta missão . Continue a sua.
Quanto a mim durmo no chão com prazer , ouvindo risadas e vozes de crianças . Abração
Marcos!
Adorei a entrevista se sua mãe!
Com certeza ela é uma pessoa mto especial,( o aval desta minha informação, está nos comentários feitos).
É muito bom a gente ter a oportunidade que tivemos, ela, eu e muitas outras vovós que darem entrevista neste Site, de podermos escrever sobre as alegrias e as emoções de sermos vovós!
Um abraço